“Todas essas mulheres foram inspirações para a gente, contribuíram com as suas trajetórias e o modo como enfrentaram as limitações impostas a elas”, diz Claudia Lage, coautora com João Ximenes Braga de ‘Lado a Lado’, próxima novela das 18h, que estreia dia 10, na Globo.
“A mulher não estudava nem trabalhava. Só existia para servir o marido e reproduzir. Mas Laura é mais libertária. E, para ela, Nísia é uma grande referência”, conta Marjorie, que aponta a mãe, Marilene, 61 anos, como exemplo. “É muito ativa, criou os irmãos e foi trabalhar. Ela tem características dessas mulheres de que estamos falando. Se formou e agora está abrindo um consultório de psicologia”.
O Rio efervescente mostrado na novela também é cenário de outra mulher à frente de seu tempo: a compositora e pianista carioca Chiquinha Gonzaga (1847-1935). Primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil, ela participou da campanha abolicionista e criou a primeira marchinha carnavalesca, ‘Ô Abre Alas’ (1899). Amiga de Nair de Tefé, mulher do presidente Hermes da Fonseca, a maestrina escandalizou a elite e o governo ao tocar um maxixe, considerada uma música vulgar, durante um recital no Palácio do Catete, em 1914.
O surgimento das favelas, a afirmação dos negros e a invenção do samba também são temas de ‘Lado a Lado’. Foi nesse contexto que despontou a baiana Tia Ciata (1854-1924), cozinheira e mãe de santo que chegou ao Rio aos 22 anos e montou seu tabuleiro na Rua Sete de Setembro, no Centro. Além de grande quituteira, ela promovia em sua casa festas dançantes, frequentadas por compositores como Donga, João da Baiana e Sinhô. Numa dessas reuniões nasceu o primeiro samba, ‘Pelo Telefone’ (1916), de Donga e Mauro de Almeida.
“As questões da mulher e do racismo são contemporâneas. A novela é uma oportunidade de olhar para trás e repensar o presente. Mais importante do que mostrar o preconceito é falar da afirmação do negro na sociedade”, diz Camila Pitanga, que na trama vai morar no Morro da Providência, a primeira favela carioca, e sambar. “Na questão da emancipação da mulher, Laura e Isabel defendem a causa mais nas ações do que no discurso. Elas exercem isso no dia a dia. E Isabel trabalha também por uma questão de sobrevivência”, completa Camila.
Outras duas mulheres se destacam no período histórico que a novela abrange: a milionária Eufrásia Teixeira Leite (1850-1930) e a escritora Júlia Lopes de Almeida (1862-1934). No fim do século 19, após a morte dos pais, comerciantes de café em Vassouras, e da irmã, Eufrásia herdou sozinha uma fortuna que lhe garantiu a emancipação econômica numa época em que as mulheres dependiam dos homens. Com talento para os negócios, a sinhazinha, que manteve um longo romance com o diplomata Joaquim Nabuco, multiplicou o patrimônio fazendo vários investimentos. Como não se casou nem teve filhos, ela deixou toda sua riqueza para mendigos da rua onde morou em Paris, entre 1874 e 1928, e instituições da cidade onde nasceu, no Sul Fluminense.
“A luta por liberdade individual vai ser tratada na novela tematizando um conflito bastante contemporâneo: a tentativa de conciliar o amor e o trabalho. Só que, na época, a mulher ainda tinha que conquistar esse espaço como sujeito social”, explica Cláudia Lage.
Romancista e teatróloga, a carioca Júlia Lopes de Almeida expôs em vários artigos de jornais e livros suas ideias favoráveis à República e à abolição na virada do século 19. Mas a marca de sua obra foi principalmente a luta pela educação. Júlia participou das reuniões para a formação da Academia Brasileira de Letras, mas ficou de fora por ser mulher. “Acho que o propósito de discutir o papel da mulher é comparar como era antes e é no presente. Mas, hoje em dia, ainda vejo mulheres com comportamento típico do século 19, que só pensam em se casar, não têm desejo de trabalhar. Não sei se isso é uma opção. Mas acho comodismo não querer se desafiar”, diz Marjorie.
Publicada em O DIA, em 31/08/2012
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