quinta-feira, 31 de agosto de 2017

'A GENTE NÃO VAI SE DEIXAR ENGANAR MAIS POR DEMAGOGOS'




POR SIMONE MAGALHÃES

Foi impressionante! E emocionante, também. Ao ver a foto de Regina Duarte caracterizada (acima, à esquerda), 40 anos depois da exibição da novela "Nina", uma onda de nostalgia me envolveu. Adorava aquela professora doce e determinada, que, em 1926, comprou briga com o colégio paulistano tradicionalíssimo no qual trabalhava - e com os conservadores -, por não aceitarem a presença de Isadora (Isabela Garcia), filha de um casal de... artistas! Nina era um exemplo para minha adolescência contida: ela não desistia de colocar suas ideias em prática. Posso dizer que a personagem foi a "mãe" de "Malu Mulher"(1979), outra guerreira pelos direitos das mulheres. Tudo em meados da década de 1970... e também para dar fim do rótulo de "Namoradinha do Brasil", que Regina começou a jogar para o alto, em 75, interpretando a prostituta Janete, na peça "Réveillon", de Flávio Márcio.
Aos 70 anos de idade, a atriz se investe de Madame Lucerne, uma cafetina francesa dona da Maison Dorée, no Rio de Janeiro de 1917, na próxima novela das seis, "Tempo de Amar.". Uma mulher de passado misterioso, que não deixa as funcionárias terem muita proximidade para que seus segredos continuem ocultos. Segredos que envolvem também o alto escalão da política e ricaços com quem ela lida. Mais uma persona arrebatadora para sua galeria de poderosas.


NA FESTA DE LANÇAMENTO DA NOVELA, COM RESPOSTAS NA PONTA DA LÍNGUA
     
"NÃO TENHO MAIS RAZÃO NENHUMA PARA TER MEDO. O PAÍS ESTÁ UNIFICADO, DAQUI PRA FRENTE É SÓ CAMINHAR. VAI DEMORAR, MAS SE AS PESSOAS NÃO PARTICIPAREM SERÁ MAIS DIFÍCIL. A GENTE DEU MOLE NAQUELA ÉPOCA. AGORA, HÁ MAIS CONSCIÊNCIA DE BRASILIDADE E DE CIDADANIA. A GENTE NÃO VAI SE DEIXAR ENGANAR MAIS POR DEMAGOGOS".

Regina Duarte chegou esfuziante à centenária Confeitaria Colombo, no Centro do Rio, onde se reuniram elenco, autores, diretores e equipe da trama de Alcides Nogueira. Blusa amassada de tafetá bordô acompanhada por uma saia longa, que, segundo a atriz, moram em seu closet há 20 anos, e só saem de lá em ocasiões especiais. Ela chegou de rabo de cavalo para depois soltar as madeixas, e dar volume aos cabelos com o balanço da cabeça. Tão feliz que, durante a exibição de trechos da novela num telão, Regina, no fundo do salão, tirou as sandálias, subiu numa cadeira e fez selfies de costas para o grupo que assistia às cenas. E, o melhor, não se furtou às poucas perguntas a que teve tempo de responder:
_"Quero papéis diferentes, que me proponham um desafio. Em "Três Irmãs" me deram um personagem que eu já tinha feito várias vezes".

_ "Adorei fazer a Porcina, por exemplo, mas ela já veio 'pronta'. O visual, o modo de ser, os trejeitos e as falas maravilhosas do Dias Gomes e do Aguinaldo Silva". 

 _ "Agora é aprendizado. Novidades! Madame Lucerne tem uma camada de humanidade incrível. Estou apaixonada por ela".

 _ "Tento manter a forma o melhor que posso. Nem sempre liguei para isso. Mas li uma frase no Instagram - aliás, eu adoro o Instagram! (risos) -  dizendo: "You can not stop pedaling", ou seja, você não pode parar de pedalar. Parou? Estacionou? As coisas descem ladeira abaixo (risos)."

 _ "Teve um momento em que eu não estava sonhando, quando buscava um ideal... Mas fui à luta. Tenho optado pelo que acho melhor. E o que me movimenta, me impulsiona, é minha família. A gente adora quando está junta, e olha um para o outro. Temos que estar sempre abertos um para o outro!".

 - "Não tenho mais razão nenhuma para ter medo. O país está unificado, daqui pra frente é só caminhar. Vai demorar, mas se as pessoas não participarem será mais difícil.  A gente deu mole naquela época. Agora, há mais consciência de brasilidade e de cidadania. A gente não vai se deixar enganar mais por demagogos".

-"A novela vai ser genial. O brasileiro está carente de pensar e de viver o amor". 


 FOTOS: DIVULGAÇÃO REDE GLOBO/JOÃO MIGUEL JUNIOR E RAFAEL CAMPOS







quarta-feira, 30 de agosto de 2017

UMA FEMINISTA DETERMINADA A LUTAR POR TODAS AS IGUALDADES



POR SIMONE MAGALHÃES

Não é coisa de novela. Noventa anos se passaram e podemos contar nos dedos as grandes diferenças na vida da brasileira. Principalmente, quando o assunto é emancipação feminina. Em pleno 2017, continuam as lutas pela igualdade de cor, de gênero, no campo profissional, pela exposição da orientação sexual, enfim, pelo respeito devido desde 1927, quando se passa a  próxima trama das seis da Globo, 'Tempo de de Amar', que estreia em 26 de setembro. "Muitas discriminações são as mesmas. Só que naquela época eram veladas. Precisávamos de mais mulheres como a Olímpia, minha personagem", afirma, com intensidade a atriz Sabrina Petraglia, 34 anos.
Ela está tão empolgada com o papel que parece uma metralhadora giratória quando desabafa ao abordar temas como feminismo, machismo, luta pela igualdade racial e operários explorados pelos patrões. Olímpia já entra na trama "causando". Chega ao Rio, vinda de Paris, chique e linda, com corte de cabelo à la garçonne, batom rosa-choque e acompanhada pelo namorado negro, Edgar (Marcello Melo Jr.). Percebe que os preconceitos enlameiam mais a cidade do que as ruas sem saneamento, e  vai logo abrindo, junto com o irmão, Vicente (Bruno Ferrari), o Grêmio Cultural Brazileiro, um espaço para debates, discursos e diversão. Determinadíssima, Olímpia não vai sossegar enquanto não fizer a diferença na Guanabara daquela época.

Tanto tempo e tão pouco mudou para as mulheres brasileiras, que continuam suas batalhas diárias...
Sabrina Petraglia - Vejo nessa personagem e na novela uma grande oportunidade para falar sobre equidade. É triste: a gente evoluiu em determinados aspectos, mas em outros, tão importantes, continua patinando. 

Mas o machismo está perdendo a 'força', não acha?
É que antes era tudo muito velado e as mulheres viviam numa relação histórica com o machismo. A maioria era obrigada a aceitá-lo. Hoje, a voz  e as atitudes da mulher estão ganhando cada vez mais força. Bom... Eu tenho 34 anos e fui criada num universo machista. Acho que o homem precisa entender que trocar a fralda do filho não é um favor que faz à mãe da criança: ele é pai, e isso não é mais do que obrigação!  Fico impressionada com algumas mulheres que acham uma 'grande' atitude: 'Ah, meu marido é tão bom por fazer isso!'. E aquelas que dizem que o homem 'não deixa faltar nada em casa'? Que se contentam com a parte material da relação. É um absurdo.

E quanto à licença-maternidade? Não é pouco tempo para o pai auxiliar a companheira? 
A licença tem que ser de seis meses para a mulher e para o homem também. Sem aquela pressão de que quando voltar ao trabalho poderá ser dispensado. Isso de emprego é complicado... Você já reparou que há muitas mulheres que, quando vão preencher fichas para vagas, perdem o incentivo? Elas começam a ler as exigências para o cargo e pensam que não vão conseguir suprir o que é pedido. Já os homens preenchem metade da ficha e já estão certos de que a vaga é deles. Isso é cultural, também tem a ver com o medo de não ser capaz, da diminuição que imputaram às mulheres. E fico muito feliz vendo a renovação na geração atual. Elas estão lutando e ganhando! 

Você já tinha esse discernimento quando percebeu que vivia num universo machista?
Tinha dias que eu dizia: "Pai, faz o jantar, que a mãe está cansada". Ele ficava sem graça, dizia que ia fazer, mas acabava não fazendo. Eu insistia que eles deviam se revezar na cozinha.

Mas seu pai sabia cozinhar?
Sabia. Mas não fazia. E eu pensava que todos os casais deveriam dividir as tarefas. Não existe: "Isso é para mulher fazer, e aquilo para o homem". Fiquei irritada, quando estava numa loja de brinquedos, e uma menina pediu que a mãe comprasse um helicóptero. A resposta foi: 'Não! Isso é coisa de menino!'. Será que ela não pode estar podando o futuro de uma engenheira aeronáutica, de um piloto?

Para você é importante esse cunho social nas novelas, não?
Falar de gênero, de raça, da emancipação feminina, campanha pelo voto da mulheres... É muito legal! Graças a Deus, fiz uma novela ("Haja Coração") interpretando a Shirlei, uma deficiente física, abordando a inclusão, e agora mostrando mudanças sociais mais do que necessárias. Estou muito feliz!

E para isso você mergulhou no universo da Pagu (a escritora Patrícia Galvão, destaque no desenvolvimento do movimento modernista)?
Foi um mergulho em muitos textos, vários materiais daquela época. Primeiro, nos livros de Gilka Machado (1893-1980), pioneira da poesia erótica no Brasil, e, claro, na Pagu (1910-1962), que, além dos escritos, tinha uma postura muito autêntica, não estava nem aí para o que os outros pensavam dela. É difícil, mas vejo um exemplo na Olímpia: uma mulher independente, com opiniões próprias, que vai aos lugares sozinha - seja de dia ou à noite -, que se banca... Acho que ainda vamos chegar lá, com o fim aos preconceitos.

Mas você também já foi preconceituosa... Quando conheceu seu noivo, o engenheiro Ramón, ficou em dúvida se o namorava por ser seis anos mais velha do que ele...
É verdade: eu confesso! Foi num Carnaval, ele era novinho, achei que não ia dar certo. Mas já estamos juntos há cinco anos e pretendemos nos casar quando a novela terminar. Na verdade, ele é bem mais maduro do que eu, e essa troca é muito boa.

Seus pais são supercatólicos, queriam que vocês se casassem na igreja, mas há outros planos, não?
Acho que a gente é muito pretensiosa para dizer que a igreja é a casa de Deus.  Para mim, a casa Dele é na natureza, por isso pretendemos nos casar embaixo de uma árvore ou num lugar florido... Estou organizando tudo, passo a passo, vendo o valor de cada significado da cerimônia, e ressignificando o que acho importante. 

FOTO: Divulgação Rede Globo/João Miguel Junior