domingo, 13 de setembro de 2015

Vilões das novelas invertem os valores, conquistam o telespectador e ganham até torcida

Rio - Já se foi o tempo em que bandido de novela tinha cara feia, só fazia o mal e era odiado por todos. Heroína romântica que se prezava não ia para cama com o namorado da mãe nem em sonhos. Só que isso mudou. Cada vez mais, a ficção dá espaço a novos valores ao mostrar personagens como Grego (Caio Castro), um vilão que manda matar e sequestrar, mas também faz benfeitorias para sua comunidade e tem até torcida para ficar com a mocinha em ‘I Love Paraisópolis’. 

Com uma ajudinha da boa pinta de Caio, um galã que é ídolo adolescente, o malvado sedutor caiu nas graças do público. Apesar de alguns acharem que o tipo está distante da realidade dura das favelas, o ator defende Grego com unhas e dentes: “É uma novela das sete, e as pessoas têm que entender isso. Não estamos retratando a vida real, estamos usando como referência.” 

Para o psicólogo e educador sexual Marcos Ribeiro, o vilão tratado como herói está bem próximo do que vemos em favelas cariocas. “A novela traduz uma realidade que pode não ser a de muita gente, mas retrata uma parcela da população”, avalia. Como exemplo, Marcos cita o traficante Playboy, o ex-chefão do morro da Pedreira, na Zona Norte do Rio, cuja morte foi lamentada por moradores, porque o bandido “fazia o bem” para a comunidade. 

“O personagem do Caio é bandido, mas ajuda a comunidade e faz a inversão do que é ética. Numa sociedade onde há esses tipos, a ética é moldada de acordo com os interesses e a realidade daquele local. Essa ética duvidosa está em todo canto, mas, às vezes, as pessoas não se dão conta disso, como na hora de dar propina à polícia, furar a fila, ficar com o troco a mais ou comprar produto pirata no camelô”, diz o psicólogo. 

Em ‘A Regra do Jogo’, a bandida é linda, glamourosa e divertida. O que parece atenuar os trambiques de Atena, vivida por Giovanna Antonelli. Por falsificar assinatura, clonar cartão de crédito e destruir o apartamento da amiga, a personagem só ganhou elogios na primeira semana da trama de João Emanuel Carneiro. “Não sou a favor de crimes e nunca daria um golpe”, frisa a atriz. 

Mas é em ‘Verdades Secretas’ que se concentra a maioria dos personagens de ética e moral suspeitas. Com muitas cenas de nudez, a novela mostra prostituição por trás do mundo da moda. No papel de um modelo decadente, Reynaldo Gianecchini assume que Anthony se submete a tudo por dinheiro, como se relacionar com Fanny (Marieta Severo), a dona da agência onde trabalha, e ter um caso com o estilista francês Maurice Argent (Fernando Eiras), para dar um up na carreira. “Ele é um amoral”, decreta o ator.
Já a jovem modelo Angel (Camila Queiroz), que esconde o passado recente de garota de programa, transa com o padrasto, Alex (Rodrigo Lombardi), casado com sua mãe, Carolina (Drica Moraes). Para o psicólogo Marcos Ribeiro, o caso de Angel é um exemplo do momento contraditório por que passa a sociedade, já que o público reprovou o casal de lésbicas de ‘Babilônia’, mas parece não se escandalizar com a menina fazendo sexo com o marido da mãe. 

“O que vemos nas novelas e no público é essa mesma contradição. É importante refletir sobre o que estamos assistindo. Quando a novela traz essas questões, tem a intenção de expurgar o que está debaixo do tapete. A TV está botando o dedo na ferida”, diz. 

Doutor em Teledramaturgia Brasileira e Latino-Americana pela USP, Mauro Alencar lembra que, desde a Idade Média, os vilões sempre despertaram amor e ódio. Segundo ele, os autores foram aumentando a importância dessa figura na trama ao longo dos anos: “Daí eu não estranhar que o carisma de Caio Castro e Giovanna Antonelli esteja cativando o público, prova de que a essência do humano pouco mudou.”


Publicado em 6/09/2015 – O DIA

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