Rio - É numa manhã nublada
que vamos ao encontro de Domingos Montagner, na Marina da Glória, durante uma
gravação de ‘Sete Vidas’. Atencioso e educado, o ator de 53 anos aproveita o
intervalo do almoço para fazer as fotos dessa edição. “Não gosto de foto”,
admite ele, que fica pouco à vontade diante da câmera. Mas nada de estrelismo.
Até porque isso nem combina com o jeito tranquilão do intérprete do solitário
Miguel, oceanógrafo e navegador que descobre ser pai de sete filhos, seis por
inseminação artificial, na trama das seis.
“Me identifico com ele por
entender que cada um tem a sua vida, não pode interferir na vida do outro. Não
dou palpite se não me pedirem”, diz Domingos, que arremata: “Também gosto de
ter meus momentos de solidão. Adoro reunir as pessoas, fazer churrasco, bater
papo com todo mundo. Mas tem dia que quero sair sozinho, ir ao cinema”.
O sucesso não fez com que Domingos mudasse sua postura nem sua rotina.
Esse paulista do Tatuapé é bem pé no chão, sem deslumbre com a profissão que
iniciou há quase 30 anos. A carreira na TV só decolou há quatro temporadas, com
‘Cordel Encantado’ (2011). Hoje, curte, discretamente, a repercussão de seu
primeiro protagonista em novelas.
“O êxito na TV é diferente do teatro porque a visibilidade é maior. Pelo
ofício, não vejo diferença. O que muda é que você é mais reconhecido. Continuo
trabalhando, porque sucesso é o canto da sereia, é efêmero. Meu chão é o
trabalho”, enfatiza o ator, que é formado em educação física e deu aulas em
várias escolas de São Paulo, durante dez anos, antes de se apaixonar pelos
palcos do circo e do teatro. “Sou um cara muito satisfeito com as minhas
escolhas. Me sinto privilegiado por fazer o que gosto”.
Com a escassez de atores talentosos e boa pinta na sua faixa etária, ele
virou uma das apostas de galã da Globo. O rótulo já o incomodou muito por
reduzir seu trabalho a um padrão estético. Mas, hoje, não dá importância.
“Prefiro ver como uma função dramatúrgica. Não entro numa novela para
ser o galã. Se pensar assim, estou perdido”, avalia ele, que cita colegas de
profissão que receberam o rótulo: “Se eu fizer 10% do que o Antônio Fagundes e
o Francisco Cuoco fizeram, por exemplo, acho genial. Há atores que têm esse
peso. Vai além do talento e da técnica”.
A maneira de lidar com a fama também é tranquila. Domingos não se
incomoda em dar autógrafos e tirar fotos, contanto que não esteja com sua
família. Casado há 13 anos com Luciana Lima e pai de três meninos — Dante, de 4
anos, Antônio, 8, e Léo, 12 — ele quer preservar a privacidade de todos. “Eu
lido com isso com muita naturalidade. Mas, se estou num restaurante com meus
filhos, não gosto. Não quero submetê-los a isso. Sou um cara reservado. Já
passo por um processo de exposição enorme. Não fomento isso”, explica ele, que
só usa as redes sociais para divulgar os espetáculos de sua companhia teatral.
“Não coloco fotos da minha família no Facebook”.
Se existe um assunto que deixa o ator sem graça é o seu sucesso com as
mulheres. Personagens como o capitão Herculano de ‘Cordel Encantado’ (2011), o
sedutor presidente da República em ‘O Brado Retumbante’ (2012) e o turco Zyah
em ‘Salve Jorge’ (2012) só ajudaram a acender mais o fogo do público feminino.
“Não fico muito à vontade com isso. Não me vejo nesse personagem catalizador.
Sou um cara tímido. Por isso, não gosto de fotos”, diz ele. “As mulheres são
mais propensas a fazer fotos, mas sem afetação, sem loucuras”.
Na trama das seis, escrita por Lícia Manzo, Miguel tem dificuldades de
estabelecer relações afetivas por causa de um trauma da infância — sente-se
culpado pela morte da mãe. Apaixonado por Lígia (Deborah Bloch), não consegue
se acertar com ela, nem com os sete filhos, seis deles frutos de doação de
sêmen feita ainda na juventude.
“Ele começa a lidar com os filhos não por se sentir pai, mas por
situações que o levam a mudar essa relação”, conta o ator, que aprova os casais
(héteros ou homossexuais) que recorrem à inseminação artificial para ter
filhos. “É um processo natural nos dias de hoje, um recurso válido. Sou de uma
família tradicional, com pai e mãe. Mas o conceito de família é claro: são
pessoas ligadas por laços afetivos”.
Se na ficção ainda está aprendendo a lidar com a prole, na vida real
Domingos se desdobra para ser um pai presente, mesmo morando no Rio, por causa
da novela, e os três filhos em São Paulo. “Ser pai é um chá de realidade. Você
tem uma pessoa para educar. É a única relação para a vida toda”, resume ele,
que ressalta a importância da referência paterna. “A maneira como você se relaciona
com a mãe, os amigos e as pessoas do trabalho, a criança absorve isso tudo. É
uma responsa, dá trabalho”.
Em casa, o ator gosta de brincar e comer junto com os filhos, mas criou
alguns códigos. “Ensino o porquê dos limites. Quando me sento para almoçar, não
atendo telefone, e eles não veem televisão”, conta. “Assisto a futebol na TV
com eles. Não tenho muito hábito de ir ao estádio, pela minha rotina. Mas jogo
bola... Eles adoram”.
A família já se acostumou com sua rotina de viagens. “Meus filhos mais
velhos já dormiram em trailer comigo, vivendo do circo e do teatro”, revela.
Mas agora o lado aventureiro de Domingos vem se identificando com o navegador,
e ele já não descarta a possibilidade de ter um barco. “É apaixonante, sentir o
vento no rosto, controlar a vela, a liberdade e o contato com a natureza”, diz
ele, que fez aulas para velejar. “O barco tem semelhanças com o circo, uma
rotina de manutenção. O mundo do velejador é o barco. No circo, a vida é a
lona”.
Publicada em 14/06/2015 – O DIA
Foto Maíra Coelho