Rio - Desde o primeiro capítulo, os temas abordados em
‘Babilônia’ vêm provocando um debate sobre questões morais. Muito mais do que o
beijo entre Estela (Nathalia Timberg) e Teresa (Fernanda Montenegro), criticado
pela bancada evangélica do Congresso Nacional, a trama de Gilberto Braga,
Ricardo Linhares e João Ximenes Braga é um retrato de novas relações da
sociedade. Conflitos ente pais e filhos, ambições desenfreadas, corrupção,
traições e assassinatos fazem de ‘Babilônia’ um novelão clássico, com pitadas
exageradas de uma realidade que não pode ser resumida apenas ao tema
homossexualismo.
“A reação progressista à novela é muito maior e mais forte
do que o incômodo que o beijo de Teresa e Estela possa ter causado. Ele foi
libertador para milhares de pessoas que são discriminadas no dia a dia pela sua
condição sexual. E também atraiu o apoio do público esclarecido”, analisa
Ricardo Linhares.
Não é a primeira vez que uma novela do horário nobre provoca
reações extremas. Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia brasileira e
latino-americana pela USP, lembra que outra trama de Gilberto Braga, ‘Corpo a
Corpo’, de 1984, causou muita polêmica na época ao unir uma negra, Sônia (Zezé
Mota), a um jovem empresário branco, Cláudio (Marcos Paulo). Sobre a
repercussão de ‘Babilônia’, ele vê um movimento “natural e saudável” e ressalta
que a arte funciona como mediadora social. “Em particular a telenovela
brasileira contribui decisivamente para o bom convívio social ao eleger todos
os temas do cotidiano como matéria-prima para a ficção”, diz.
A cada capítulo, essa discussão de relações familiares e
temas sociais se amplia. Depois de mostrar Inês (Adriana Esteves) e Alice
(Sophie Charlotte), mãe e filha, se estapeando, a novela levou ao ar anteontem
uma cena em que Guto (Bruno Gissoni) enfrenta o pai, Evandro (Cássio Gabus
Mendes). E, mais uma vez, ofereceu combustível para aqueles que acusam a trama
de destruir a família.
Para Linhares, independentemente da audiência, a novela é
um sucesso de repercussão, tanto na internet quanto nas conversas cotidianas.
“É um excelente termômetro”, afirma. Mas o autor admite que, quando se aborda
temas polêmicos, que ainda são tabu na sociedade, como a relação homoafetiva
entre duas mulheres na terceira idade, não dá para agradar a todos. “É natural
que haja certa dificuldade de parte do público, que é mais resistente. Junta-se
dois preconceitos: contra as lésbicas e contra o amor maduro”, diz ele.
Ricardo Linhares garante que não há motivos para mudar nada
na trama. “Ainda não há previsão para o primeiro grupo de discussão, promovido
pela Globo para ouvir a opinião de telespectadores. Normalmente, a reunião
acontece por volta do capítulo 24, com mais ou menos um mês de novela no ar”, calcula
Linhares.
No debate moral provocado pela novela, o sociólogo Marcos
Mello aponta o avanço de dois segmentos distintos: um grupo mais libertário,
que aproveita as redes sociais para se manifestar, e outro bem mais
conservador, ligado ao crescimento das igrejas evangélicas. “Na verdade, cada
grupo está brigando por sua clientela. Os valores morais não são os mesmos. Os
segmentos mais modernos estão falando de uma nova família e aceitam outras
combinações. Já os conservadores estão defendendo a família padrão,
tradicional, com pai, mãe e filhos”, explica.
“Acho impressionante que as pessoas se sintam mais
agredidas com beijo gay do que com homem casado que engravida outra, uso de
sexo para manipular e mãe que faz a filha virar prostituta. É uma inversão de
valores”, analisa a professora Sandra Marques.
Publicada em 26/03/2015 - O DIA
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